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NÉON NOTA DO TRADUTOR O mundo de Néon nasce pelas mãos de Liliana Heer como se ela costurasse a trama que o viajante tradutor transporá ao imaginário dos seus mais novos leitores. E quem melhor caberia no papel de tutor neste processo de tradução, senão a fidelidade: ao conteúdo do texto de partida, às ideias e aos ideais de Liliana, à força das palavras escolhidas e à suavidade com que ela tece essa trama forte, que mescla muitos sentimentos antagônicos que caminham lado a lado, o tempo todo, no correr da trajetória de cada personagem, sejam os materiais e os imaginários.
A Primavera Literária de 2018, no Rio de Janeiro, foi um evento que me proporcionou a rara oportunidade de encontrar Liliana e trocar mais do que dois dedos de prosa com a autora desta obra, cujo processo de tradução já ia adiantado, para além das minhas pesquisas iniciais. Foram dois breves encontros, mas suficientes para estabelecer-mos uma sintonia fina em torno do tema central de Néon, e criarmos uma relação de afeto em torno de mais esta obra gerada por Liliana. Essas oportunidades são raras, pois não é comum tradutor e autor se conhecerem pessoalmente, quando muito trocarem mensagens à distância, marcarem encontros on-line, mas quando uma confluência deste tipo ocorre, saem ganhando os leitores, neste caso, os da língua portuguesa. Duas características marcaram esses nossos encontros: paixão e força. A paixão pela escrita e a força que Liliana é capaz de atribuir a cada palavra no contexto de Néon.
As conversas com Liliana foram de uma suavidade tão profunda, que pude captar a essência dos sentimentos e incômodos que ela procurou estimular nos leitores, no castelhano argentino, com a escrita forte que lhe é peculiar. A mim caberia traduzir essas sensações para os leitores da língua portuguesa, fazendo com que possam chegar a ouvir nossas conversas em tornos desses temas tão sensíveis, reproduzidos pela fortaleza de cada palavra, pela sonoridade de cada poema, pela fluidez de cada sentença, e assim experimentar do mesmo incômodo e da mesma profusão de sentimentos gerados pela autora. Nesse sentido, de nossas conversas restaram-me mais pesquisas e a responsabilidade de me dedicar a uma seleção criteriosa de cada palavra que findaram por gerar um Néon traduzido, de modo que ele funcione como um espelho do Neón original.
Costumo dizer que “traduzir é a arte de seguir o autor lado a lado, sem dele se perder, mas dele se afastando, o mínimo necessário, se for preciso”. Para a tradução de Néon algumas “escapadelas” foram necessárias, de modo a me aproximar ao máximo da essência dos sentimentos mais profundos, do incômodo gerado pela riqueza da narrativa, expresso na força de cada palavra ou expressão cor-respondente em nosso código linguístico. A busca incessante de cada palavra traduzida que vestisse completamente o sentido de sua contraparte original tornou este desafio de traduzir em um prazer inenarrável, que espero ter conseguido transpor com a mesma paixão e força para os leitores da língua portuguesa. NÉON I Ele era Viajante. Ela, Costureira, mas poderia ter sido ao contrário, se ela viajasse enquanto ele costurasse.
(Deixemos assim.)
Quando ela o encara, ele desconta, agrupa, simplifica; se a vê de costas, inclinada sobre algum objeto, ou com os olhos voltados para a janela, precisa dar explicações, fazer rodeios, até mesmo mentir. |
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